Anderson Cássio de Oliveira Lopes[1]
Resumo
Neste artigo, discute-se a teoria do preconceito linguístico e as teses que advogam a destruição da gramática. Cuida-se de distinguir os campos da ciência e da ética, em linguística. Faz-se uma explanação sobre a superioridade da norma padrão, as ideologias envolvidas no debate em face das noções de valor e sobre a importância da linguagem formal para o entendimento, a produção e a transmissão dos conhecimentos.
Palavras-chave. Importância da gramática. Variedade linguística.
Estética. Entendimento. Ideologia. Em favor da gramática normativa.
Introdução
Os cursos de Letras, de alguns lustros a esta parte, estão eivados
de uma ideologia muito prejudicial ao desenvolvimento cognitivo. Teorias
falsas, resíduos de sistemas políticos frustrados, insinuam-se insidiosamente
nos meios acadêmicos e fixam-se em seus intestinos como nematóides desejosos de
proliferação rápida e fácil. Assim é a teoria do preconceito linguístico
(doravante designada como ideologia do comunismo linguístico), a ser discutida
no presente trabalho.
Neste artigo, por uma questão meramente estilística, "língua
culta", "norma culta", "língua exemplar", "norma
exemplar", "língua padrão", "língua formal",
"linguagem formal" são tomadas como sinônimos do termo técnico "norma
padrão".
1. Moral versus ciência
Antes de adentrar-se ao âmago da questão, cumpre distinguir o que
pertence à moral do que concerne à ciência. É que a arena mais apropriada ao
debate em derredor da discriminação preconceituosa não é a da ciência – e a
Linguística, não custa lembrar, pretende ser uma ciência. Isso porque as
verdades da ciência são sempre precárias e provisórias, ao passo que o embate
contra a discriminação deve ser constante e inflexível. Dizer que algo é errado
porque tal ou qual teoria científica assim o afirma – é chancelá-lo na hipótese
de uma teoria científica contrária impor-se posteriormente. Por exemplo, se
amanhã ou depois um grupo idôneo de cientistas renomados conseguir comprovar,
para além de quaisquer dúvidas, que existem raças e que uma raça específica é
mais “inteligente” que as demais, isso nos dará o direito “científico” de
discriminar as raças “menos inteligentes”? Claro que não! Porém, como sustentar
essa negativa, se a ciência afirma o oposto? A resposta é simples: retirando do
âmbito da ciência o problema da discriminação e transferindo-o para o da ética
e da moral. As crianças, então, educar-se-iam sob o preceito segundo o qual é
moralmente errado discriminar as pessoas. Os estudos filosóficos, agora
novamente presentes no ensino médio, poderiam dar ênfase a Ética, tão
negligenciada em todos os estratos da sociedade brasileira. Os filósofos há
muito delimitaram essa separação. Vejamos:
Com seu ceticismo constante e sua
lógica impecável e irrefutável, David Hume acabou se tornando um grande criador
de problemas – um “chato”. Após destruir impiedosamente os alicerces lógicos da
indução, ele dirigiu a potência de seu intelecto para a análise dos “fatos” e
dos “valores”.
Segundo ele, não se deve confundir
o domínio das convicções éticas (o que deve ser) com o das
proposições científicas (o que é). Não se pode passar da
descrição à prescrição, ou seja, formalmente a ciência não é competente para
fundamentar os valores éticos da sociedade. Essa regra lógica é tão severa que
recebeu o apelido de “guilhotina de Hume”.[1][2]
Tal atitude – distinguindo o que é científico do que é ético e subsumindo o combate à discriminação ao segundo – tenderia a ser muito mais eficiente, porquanto as verdades éticas, diferentemente das verdades da ciência, não costumam modificar-se com facilidade no decurso do tempo. Uma das justificativas para querer tratar um assunto como o preconceito ou a discriminação na esfera científica é dar vazão a ideologias anacrônicas que desvirtuam a ciência.
A trincheira acadêmica que defende a ideologia do comunismo
linguístico, com vistas a bloquear esperadas refutações, serve-se do
estratagema clássico dos regimes autoritários inspirados no marxismo, cujos
líderes aborrecem o confronto de ideias, preferindo silenciar e censurar os
oponentes, com mudança apenas do modus
operandi: encobre os seus falsos pressupostos com véus “politicamente
corretos”, arroga-se a função de “defensora” dos oprimidos, guerreia qualquer
hipótese de pensamento individual autônomo e crítico, impondo a abstração do
“coletivo”; enfim, procura impingir a quem pensa diferente o labéu de
“preconceituoso”, disseminando o terrorismo intelectual nas universidades e
inviabilizando qualquer discussão. Na espécie, reduz o mundo ao que é do bem ou
do mal. Concordar com ela é ser “do bem”; discordar, “preconceito”. Sem espaço
para debate, confronto de ideias ou contestação, vai discretamente expondo a
sua ideologia, segundo a qual todas as variedades da linguagem seriam iguais,
nenhuma melhor ou pior, superior ou inferior, certa ou errada.
Ora, uma coisa é a batalha pela eliminação dos preconceitos
prejudiciais à sociedade, contra a qual ninguém se insurgirá, em especial se
travada na esfera própria; outra bem diferente é acatar a absurda transposição
da ideologia do comunismo para a Linguística, que é como querer uma mistura
homogênea de água com óleo! Enquanto a ciência busca firmar suas conclusões na
observação rigorosa, na experimentação, na análise empírica impessoal e
objetiva, submetendo seus resultados a escrutínio lógico e filosófico, a
ideologia não passa de deformação da consciência, sem outra sustentação que a
crença adulteradora dos fatos. Assim é a ideologia do comunismo linguístico,
cujos pressupostos serão levados a escrutínio no desfilar das próximas páginas.
2. A
superioridade da linguagem formal
O relativismo absoluto abraçado por certas correntes de pensamento
tende a perder de vista a noção de valor, quando não a perverte deliberadamente
para anarquizar os valores estéticos e sociais. É necessário o resgate do
sentido dessa noção, para que se saiba julgar e valorar e, assim, compreender
como alguma coisa pode ser superior a outra. Aliás, saber distinguir e valorar
é condição cardinal ao status de ser
humano, em oposição aos demais seres. Nas ciências naturais, “superior”,
“melhor” e “certo” relacionam-se com as técnicas e teorias que expliquem mais
satisfatoriamente um fenômeno, que produzam resultados mais consistentes,
corroborados por evidências e comprovações empíricas, com o desiderato de
alcançar um saber específico. Destarte, as formulações da mecânica quântica, no
pertinente ao mundo subatômico, são superiores
às demais teorias físicas já propostas, porquanto explicam e descrevem melhor os fenômenos manifestados nesse
nicho, absorvendo o conceito de certo
ou verdade científica atual nesse campo particular. Já na província das
ciências humanas, é o conjunto da sociedade quem, no transcurso de sua evolução
histórica e cultural, estatui os seus valores – que raramente são consensuais,
apenas majoritários em sua aceitação. Nenhum grupo isolado da população, muito
menos indivíduos particulares, possui jurisdição para sentenciar que valores a
sociedade deve ou não adotar. Podem até sugeri-los, contestá-los. Impô-los,
jamais. Só o conjunto da sociedade detém tal poder, exercendo-o de conformidade
com suas tradições e convenções. Aliás, designadamente quanto a essa noção de
valor, a convenção social é mais importante que o conhecimento científico; por
exemplo, a ciência produzira um saber que levou à confecção de bombas atômicas,
com poder de destruição superior ao
das armas antes existentes. Porém, a decisão quanto a ser certa ou errada a sua
utilização – ou quando é uma coisa ou outra – pertence à coletividade, que
possui legitimação para suspender aquela superioridade pela recusa de servir-se
dela, em consonância com suas tradições e convenções. Veremos, na sequência,
que tanto do ponto de vista científico, quanto dos valores sociais, a língua
culta ou linguagem formal, por seu caráter de sistema estável e conservador, é
de uma superioridade imanente em confronto com as demais variedades
linguísticas, instáveis por suas infinitas possibilidades de variação. A norma
padrão, ao contrário das variantes informais, é a única que possui uma
estabilidade duradoura, pelo caráter mesmo da normalização; e a estabilidade de
qualquer sistema é, inerentemente, uma superioridade. A própria evolução das
espécies por seleção natural ocorre não exatamente em função de
"mudanças", mas pelo estabelecimento de Estratégias Evolutivamente
Estáveis em face das mutações inevitáveis e raramente benéficas. É verdade que
os socialistas fazem uma intensa apologia da "mudança", como se esta
fosse sinônimo de melhoria e progresso, quando, na verdade, os fatos
observáveis na natureza demonstram que todos os organismos (sejam biológicos,
sejam culturais) subsistem apenas em virtude da capacidade de conservação,
sendo certo que todos, consciente ou inconscientemente, militam contra qualquer
tipo de mudança em sua constituição íntima, mudança que é, sim, sinônimo de
envelhecimento, doença e morte - tudo de que os diversos organismos procuram
fugir de todas as formas. Apenas as raríssimas mudanças benéficas, que possam
com proveito ser incorporadas aos sistemas orgânicos ou sociais preexistentes e
estabelecer uma Estratégia Evolutivamente Estável mais favorável, é que são e
devem ser assimiladas. Neste cenário, a aquisição da norma culta, sistema
linguístico muito mais estável que o das variantes informais, exige um suor e
um esforço que só se justificam no reconhecimento dessa superioridade
intrínseca, conferido de forma implícita até mesmo pelos próprios ideólogos do
comunismo linguístico, que dão ao prelo livros escritos em norma padrão – e não
em outras variedades linguísticas. Nos termos cristalinos de Marco Antunes
(2008):
A língua padrão é superior às outras por ser o ponto de encontro de todas as variedades lingüísticas. Todo povo que atinge determinado nível cultural cria uma forma especial de comunicação, que vai sendo enriquecida e apurada ao longo do tempo: a língua padrão, um instrumento geral de comunicação, a todos inteligível, a todos dirigido, destinando-se a qualquer região, em qualquer tempo. (...) Marcos Bagno omite a distinção que se tornou clássica na Lingüística moderna: língua transmitida e língua adquirida. A língua transmitida é a que recebemos do nosso meio social. A língua adquirida é a literária, a culta, que se aprende na escola, conscientemente, metodicamente. Para quem quer, de fato, escrever certo e bem, é preciso aprendê-la pelo resto da vida. A língua adquirida é intrinsecamente superior, pois é clara, rica, intemporal, supra-regional e supra-segmental.[3]
2.1. Cinco razões da superioridade da linguagem formal
2.1.1. A linguagem formal desconhece fronteiras regionais e temporais, é duradoura e conserva o melhor do cabedal cognitivo produzido pela cultura de uma comunidade linguística. Claro que cada região e cada época possuem seus sotaques e gírias, sentidos e expressões peculiares, mas é a norma padrão que garante a comunicação e a aproximação entre o maior número de pessoas no tempo e no espaço, vencendo as distâncias geográficas e de momento. Não fosse a norma padrão historicamente prescrita e defendida, hoje um baiano monoglota não dialogaria diretamente com o gaúcho também monoglota, um paulista com um amazonense, um pernambucano com um mato-grossense, pois as pessoas de cada região falariam já um dialeto ininteligível para as demais – fato largamente documentado no processo de extinção do latim e nascimento das línguas neolatinas.
De outra banda, se o que interessa na linguagem é apenas a comunicação imediata de algo simples – reducionismo inaceitável, discutido mais adiante – ainda assim o detrimento seria de difícil reparação, porquanto, no limite, um brasileiro teria de adquirir um segundo idioma para conversar com um compatriota residente em outra região ou para, eventualmente, ler uma carta escrita por seu bisavô.
Igualar a norma culta a qualquer de suas variantes, dentre outros prejuízos, milita em favor da separação das pessoas por grupos e regiões que falem dialetos específicos crescentemente mais distantes, enquanto que o reconhecimento do valor diferenciado da norma padrão e a disponibilização dos meios para a sua aquisição sistemática e consciente em escolas com boa qualidade de ensino constituem um veículo de aproximação dos indivíduos e de grande melhoria na produção e difusão de ideias. É que nenhuma ideia nasce isoladamente, da cabeça de um único indivíduo. Dialogamos com as pessoas à nossa volta e com todos os autores de obras e textos com os quais nos contactamos mediante a leitura. É nessa confrontação que são plasmadas as ideias, das mais geniais até às mais simplórias. Quanto mais ideias são difundidas, tanto mais fértil faz-se o terreno para a produção de novos conhecimentos. E esse diálogo será tanto mais eficaz e abundante, tanto maior for a proximidade e a inteligência linguística entre as pessoas. Se dois indivíduos só falam línguas distintas, entre eles haverá um diálogo de surdos, uma inane troca de ideias. Nesta linha, vale dizer que umas das principais diferenças entre os humanos e o restante dos animais é sua capacidade de juntar cérebros. Compartilhar ideias e aspirações serve para multiplicar as capacidades de indivíduos isolados e isso converteu o Homo sapiens em uma espécie formidável. Ora, ao desfavorecer essa reunião de cérebros, a ideologia do comunismo linguístico dificulta essa tão extraordinária, tão humana capacidade de colaboração mental, minando, assim, a força científica, empresarial, literária e filosófica da humanidade. Padronizar rigorosamente a gramática é como padronizar rigorosamente os procedimentos científicos: ao favorecer a comunicação, propicia a conjunção de cérebros e, por conseguinte, aduba o terreno para a pesquisa, a descoberta, a divulgação, a boa evolução do conhecimento. Por outro lado, dificultar o diálogo é favorecer o conflito, a separação, a guerra.
O pensador responsável, quando propõe uma tese, avalia-a em suas últimas consequências. Não é o caso dos baluartes da sociolinguística tupiniquim. No limite, dentre outras sequelas, no longo prazo a teoria do comunismo linguístico levaria à fragmentação do Brasil em pequenos estados independentes, porque a separação linguística costuma ser um passo inicial rumo ao apartamento político. Antes da existência de Portugal, Espanha ou França como estados nacionais, houve a separação linguística de suas populações. Pode parecer exagero, mas a verdade é que a unidade do Brasil como nação estaria seriamente ameaçada, no prazo poucos séculos, caso cada região firmasse seu próprio dialeto – consequência natural da ideologia do comunismo linguístico, a qual, de resto, empresta legitimação à péssima qualidade do ensino público do país.
O inexorável processo de globalização por que passa o planeta traz favorecimento ao tipo de linguagem com potencial para conglomerar um maior número de pessoas, como é o caso da língua exemplar. Não é outro o principal motor a impulsionar o acordo ortográfico insculpido para vigorar nos países lusófonos, encurtando, pela padronização ortográfica, distâncias editoriais e linguísticas entre brasileiros, angolanos, cabo-verdianos, guineenses, moçambicanos, portugueses, são-tomenses e timorenses do leste. Claro está que cada região permanecerá com suas idiossincrasias idiomáticas, mas sem dúvida, ortograficamente, estarão menos afastadas – apropinquar as mais longínquas terras, independentemente de algum interesse menos nobre eventualmente envolvido, é a essência mesma da irrefreável globalização. Assim, resta evidenciado que o comunismo linguístico, por seu potencial desagregador, está, como o marxismo em geral, na contramão do processo histórico mundial.
2.1.2. A língua culta também é superior porque possui uma história rica e uma literatura diversificada e depurada pelo crivo das gerações, um tesouro de valor incomensurável que, sob a ideologia da destruição da gramática e do comunismo linguístico, levadas às últimas consequências, correria sério risco de desprestígio ou mesmo desaparecimento, pela ausência de leitores diretos, que não exigissem um tradutor de permeio (a evolução por seleção natural impõe o não-dispêndio inútil de energia; se de fato toda variedade linguística possuísse o mesmo valor, ninguém se disporia ao vão e dispendioso esforço de aquisição da linguagem formal). Aqui o comunismo linguístico imbrica-se com a ideologia da desconstrução do cânone literário e com a do relativismo cultural, movimentos desapercebidos da noção de valor, que empregam o terrorismo intelectual e a censura à reflexão livre, com o intuito de entibiar a inteligência geral e, assim, facilitar a sua escalada rumo ao controle da sociedade e do poder político. Os jovens seriam defraudados em seu direito de acesso ao que de melhor fora produzido pela mente humana em matéria de ficção literária, sob o cruel sofisma de que “nenhuma coisa é melhor que outra; tudo possui o mesmo valor”.
Claro que os poucos autênticos intelectuais e pessoas esclarecidas, que pensam com independência, seguirão reconhecendo o valor da norma culta e da literatura clássica, haja vista a sua superioridade intrínseca e o vasto horizonte que espraia ao pensamento e à imaginação criadora, de modo que o máximo que a ideologia do comunismo linguístico e afins conseguirão alcançar é o impedimento do acesso da massa menos atenta ao conhecimento desta forma superior de linguagem e construção ficcional, massa que assim ostentará, na hipótese mais otimista, diplomas universitários simbólicos e esvaziados que lhes não agregam maior equipagem intelectual – um verdadeiro crime contra a inteligência nacional. O analfabetismo funcional do brasileiro, que já é preocupante, será então assustador. Nas palavras de Moura Castro (2009):
Pelos testes do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), na 4ª série 50% dos brasileiros são funcionalmente analfabetos. Segundo o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), a capacidade linguística do aluno brasileiro corresponde à de um europeu com quatro anos a menos de escolaridade. Sendo assim, o nosso processo educativo deve se preocupar centralmente com as falhas na capacidade de compreensão e expressão verbal dos alunos.[4]
2.1.3. Apenas com espeque numa linguagem formal é possível ultrapassar certo nível de abstração, daí uma vez mais evidenciar-se a sua superioridade.
Informalmente, com brincadeiras lúdicas, manuseio de elementos concretos e intuição aguçada, assimila-se perfeitamente bem boa parte dos conceitos básicos da ciência, mesmo da matemática, a exemplo dos princípios elementares da contagem, da multiplicação e da análise combinatória – assim como a ação de ir à feira e comprar um quilo de tomates pode ser cumprida com os instrumentos de qualquer variedade marginal da linguagem. Porém, quando o conhecimento começa a exigir determinado coeficiente de abstração ou compreensão mais profunda (para se verificar, por exemplo, como Bhaskara Akaria descobriu a célebre fórmula para solução de equações quadráticas), então uma linguagem formal impõe-se, pois é a única que reúne notações rigorosas, sistemáticas, sem as flutuações constantes das incontáveis linguagens informais – exigência básica para se fazer ciência, atividade controlada por diversos protocolos, normas técnicas, experimentação rigorosa. Portanto, sem o recurso a uma linguagem formal não há avanço do conhecimento, seja em que área for. Atentar contra a formalização da linguagem é atentar contra a epistemologia das diversas subdivisões científicas.
Quem bem compreende e reconhece a importância da convenção gramatical para a formulação de conceitos mais elaborados é o pensador Ian Hacking (1999):
Mais do que qualquer daqueles predecessores que remontam a Sócrates e além, Russell pensa que é crucial ter uma análise bastante clara da linguagem. Contudo, embora sua ênfase seja diferente, seu motivo é aquele consagrado pelo tempo. Noções erradas sobre linguagem, ou defeitos em nossa linguagem, traem-nos, levando-nos à má filosofia. Uma linguagem melhor e mais analítica é necessária para codificar a verdade, mas a verdadeira filosofia não é serva da gramática ou da teoria do significado. Pelo contrário, longe de ser autônoma e talvez mesmo de constituir a substância da ontologia (como alguns de nossos contemporâneos parecem acreditar), Russell sempre pensou que a gramática corresponde ao mundo e ao que existe nele.[5]
Os liames entre substantivos, adjetivos e demais classes de palavras estão para a língua assim como os vínculos entre algarismos e certos sinais gráficos estão para a matemática. Em ambos os casos há a inevitável necessidade de um conjunto de convenções que ordenem esses elementos de modo a produzir e verificar uma infinidade de conceitos e possibilidades lógicas. O fato de a matemática usar a mesma simbologia acordada há séculos não a torna “estagnada como um igapó”; pelo contrário, essas convenções, de todos conhecidas[6], é que permitem a construção de infinitos teoremas matemáticos – assim como é a gramática que possibilita a edificação de inumeráveis proposições linguísticas sofisticadas, sempre renováveis de acordo com a necessidade, mas sem perder a clareza, a fiabilidade e abrangência das convenções que se conservam.
Igual raciocínio aplica-se aos demais campos do conhecimento. É o que se infere do pensamento de Nef (1995):
A língua natural, para Frege, está ligada aos sentidos, à percepção, à nossa vida mental. Entretanto, devemos distinguir o pensamento (Gedanke) da expressão do pensamento. Como essa expressão é linguística e a linguagem natural não é constituída segundo um plano lógico, é preciso, para apreender o conteúdo conceitual dos pensamentos e seu verdadeiro encadeamento inferencial, ultrapassar as limitações da linguagem natural. É por isso que uma língua auxiliar (Hilfssprache) ou língua formal (Formelsprache) é necessária.[7]
O próprio pensamento simbólico humano, talvez a marca mais distintiva da espécie, é função do uso das palavras e suas conexões. Pensar por imagens e sem simbologia arbitrária, inúmeros outros animais o fazem. Mas pensar mediante o emprego de signo linguístico é, até prova em contrário, privativo dos humanos, sendo forçoso reconhecer que quanto maior e mais eficiente for o domínio das palavras e suas relações na estruturação dos enunciados, tanto maiores serão as possibilidades de construção do pensamento e de tudo que dele deriva.
Quem domina a norma culta interpreta melhor e compreende com maior aprofundamento os textos que lê, possui maiores recursos para análise e mais ferramentas intelectuais para a articulação de informações e síntese de conceitos e ideias novas. Por outro lado, um adulto que só sabe falar “nós vai”, infelizmente, teve sua potencialidade cognitiva original escoriada pela ausência de cultivo formal, o seu direito à boa educação desrespeitado, a possibilidade de buscar mais amplos entendimentos minorada por limitações inultrapassáveis. Lutar contra isso é a obrigação do verdadeiro intelectual – e não erigir teorias fajutas para desculpar o descumprimento do seu dever – porque é imenso o prejuízo do desconhecimento linguístico-gramatical, como também se dessume das palavras de Locke (1995):
Há uma relação estreita entre as ideias e as palavras, e nossas ideias abstratas e nossas palavras gerais têm uma relação tão constante que é impossível falar clara e distintamente do nosso conhecimento, que consiste inteiramente em proposições, sem considerar primeiramente a natureza, o uso e a significação da linguagem.[8]
Faz-se óbvio então que, para o citado filósofo, uma linguagem consciente e estudada – apenas a língua formal reúne esses apanágios – é capital ao desenvolvimento cognitivo e ao avanço do conhecimento filosófico e científico.
Outros conspectos da mesma questão devem ser examinados. Por exemplo, as obras de Hegel, conquanto traduzíveis para o português, sê-lo-á com certa perda de nuanças, em face das especificidades do idioma original. Se a tradução de uma língua formal para outra igualmente formal já implica algum dano às ideias presentes na obra, que se dirá de uma tentativa de vertê-la para uma linguagem informal, como a utilizada pelos traficantes de drogas dos morros cariocas? Nada contra a linguagem dos traficantes, que serve muito bem aos seus propósitos (com acento, ao de não ser compreendidos por quem não pertença à sua malta), mas ela não parece especialmente ajustada, verbi gratia, para refletir as sutilezas dialéticas hegelianas ou os juízos contra-intuitivos da mecânica quântica... O condão de exprimir essas sutilezas confere evidente e intrínseca superioridade de inteligência à linguagem culta.
Tanto menor o domínio das convenções gramaticais, tanto mais difícil será o entendimento do processo histórico e dos conceitos geográficos, científicos etc., fixados em milhões de livros, jornais, revistas e agora também na teia mundial de computadores, tudo em linguagem formal. Quando um cientista dá à publicação uma pesquisa da sua área, fá-lo com observância de normas técnicas e também linguísticas, sem anarquias personalíssimas ou clubísticas, isso com o fito de evitar equívocos na transmissão de suas ideias e de facilitar a compreensão geral e a reprodução do seu estudo. Exatamente ao contrário do que reza a ideologia do comunismo linguístico, o uso da língua modelo permite que todos tenham acesso ao conhecimento, enquanto o emprego de uma variedade linguística não-padrão circunscreve-o a um parco círculo de falantes dessa variedade.
2.1.4. A norma culta é um valor estético, também por isso superior. É agradável aos sentidos e um afago no espírito ler um texto bem escrito. Não é necessário ser beletrista, nem gramático, para lapidar uma prosa aprazível e elegante. Basta um pouco de bom gosto combinado com algum esmero educacional, como é o caso do geneticista Sérgio Pena, que, no seu Humanidade sem Raças?, para além de transmitir as bases genéticas com fundamento nas quais sustenta a inexistência de raças humanas e, por consequência, a inadequação dos critérios raciais de classificação, não descura da linguagem, dando ao público, ao mesmo tempo, um trabalho cientificamente substancioso e bem aquilatado linguisticamente. O emprego que ele faz da norma culta em muito contribui para a clareza e exatidão dos argumentos expostos e para o convencimento do seu leitor. Vejamos como ele materializa o seu pensamento:
A mensagem principal deste livro é que se deve fazer todo esforço em prol de uma sociedade desracializada, que valorize e cultive a singularidade do indivíduo e na qual cada um tenha a liberdade de assumir, por escolha pessoal, uma pluralidade de identidades, em vez de um rótulo único, imposto pela coletividade. Esse sonho está em perfeita sintonia com o fato demonstrado pela genética moderna: cada um de nós tem uma individualidade genômica absoluta, que interage com o ambiente para moldar uma exclusiva trajetória de vida.[9]
Porém, o valor estético da língua evidencia-se ainda mais quando nos debruçamos sobre as grandes obras literárias. Apenas a título de ilustração, leia-se um único parágrafo bem conhecido da obra de Machado:
Boa Conceição! Chamavam-lhe "a santa", e fazia jus ao título, tão facilmente suportava os esquecimentos do marido. Em verdade, era um temperamento moderado, sem extremos, nem grandes lágrimas, nem grandes risos. No capítulo de que trato, dava para maometana; aceitaria um harém, com as aparências salvas. Deus me perdoe, se a julgo mal. Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar.[10]
Essa maneira culta de lavrar um texto – que nem de longe se confunde com pernosticismo – acaricia a todo ser humano minimamente sensível, por isso a língua literária é um bem artístico e estético valorizado pela sociedade. Tal valor não pode, como pretende a ideologia do comunismo linguístico, ser estimado por “método estatístico”, que só mede quantidades, ao passo que a arte é apreciada pela sua qualidade e beleza imanentes. Uma norma culta não é estabelecida por pesquisa de opinião instantânea, senão com o prolongado e sistemático estudo diacrônico e sincrônico dos grandes escritores e expoentes da língua.
2.1.5. A norma culta também é superior pelo simples fato de ser mais valorizada na sociedade, que lhe atribui, com total legitimidade, o status de forma correta de falar. Examine-se ainda o que Hacking (1999) tem a dizer:
Três dos elementos da aprendizagem de palavras são, então: perceber características dadas pela experiência; perceber como essas características correspondem a certos sons pronunciados pelos mais velhos; e pronunciar sons correspondentes a características de maneiras que sejam aprovadas pela sociedade. Estes são apenas três dos elementos. Aprender a falar significa aprender a pronunciar sentenças em diversos modos, não apenas pronunciar uma palavra quando na presença de uma característica. (...) Aprender a gramática é no mínimo tão importante quanto aprender palavras. O empirista sustenta, não que a aprendizagem das palavras seja a totalidade da aprendizagem da linguagem, mas que é o seu começo, e que é o lugar certo para iniciar uma teoria.[11] (negrito meu)
Na natureza, talvez, não exista modo correto ou errado de elaborar pronunciamentos ou expor ideias, mas a noção de valor não brota em árvores e sim do seio da sociedade. Esta exige, em conformidade com as circunstâncias, um vasto ajustamento de cada membro a uma série de regras, do tipo de roupa a se vestir em cada ocasião à postura corporal a ser adotada, passando obviamente pela adequação da linguagem. Só que ninguém será “um poliglota dentro de sua própria língua”, como se costuma dizer, sem adquirir o regramento gramatical culto, pois quem o desconhece – ou não possui determinadas peças em seu guarda-roupas – estará desapercebido da vestimenta linguística esperada para certas situações, o que é lamentável e deve ser corrigido com escola de qualidade razoável para todos, e não com teorias fajutas. Claro que é sempre possível fazer uma revolução para destruir a sociedade atual e seus valores, a fim de edificar uma nova... Mas esta em pouco tempo envelheceria, e outra revolução seria necessária, e mais outra, e outra... Fica, pois, muito cristalino que a preocupação central dos proponentes da ideologia do comunismo linguístico é a ação política e não a ciência inaugurada por Saussure.
De resto, o estabelecimento de normas, em si mesmo, é um fenômeno capital, um ponto nodal na vida em sociedade, e está tão presente em tudo quanto o ar respirado. Fazer uma criança saber que existem regras gramaticais para a construção de discursos não é desrespeitá-la, absolutamente. Pelo contrário, é iniciá-la no processo de conscientização de que a vida em sociedade é regulada por toda sorte de preceitos, alguns legais, cogentes, imperiosos; outros baseados na tradição e costumes – mas todos com sua importância relativa, legislada pela sociedade. Quando há desrespeito ao estudante, ele está no como, na maneira pela qual o professor corrige, e não na correção em si. Esta é benéfica, pois prepara o indivíduo para a vida adulta, que está muito longe de ser um “mar de rosas”. Sustentar, como fazem os sociolinguistas, que não se podem corrigir os erros gramaticais do aluno (com a incrível desculpa de o não traumatizar) é supor que o ser humano já nasce pronto, a prescindir de aperfeiçoamentos. Aqui, a própria escola seria uma frivolidade ociosa.
Não há trauma injustificado inerente à correção – há aprendizagem e amadurecimento a partir de erros examinados com discernimento e educativamente retificados. Pensar diferente é adjudicar ao ser humano uma híper-sensibilidade egoica que o inviabilizaria como ser vivo.
Por outro lado, é necessário reconhecer que poder político, econômico e militar, goste-se ou não, também é cardinal para o estabelecimento dos valores sociais. Por isso mesmo o inglês é hoje o idioma mais importante do planeta, porque, para além da hegemonia britânica no século XIX e norte-americana no XX e início do XXI, é, há décadas, na “gramática de Shakespeare” que se publicam em primeira mão quase todos os trabalhos da vanguarda científica e são lavrados os acordos e demais documentos internacionais. Só um lunático poderia declarar que a língua inglesa possui hoje na sociedade o mesmo valor e importância que o búlgaro, por exemplo, embora, no saudoso tempo das cavernas, pudesse dizer-se com acerto que “são apenas duas variedades linguísticas, com o mesmo valor”. Do ponto de vista estrito da relevância idiomática existente na sociedade terráquea atual, o inglês está para as demais línguas assim como a norma padrão está para as variedades informais – em nítida posição de superioridade.
3. Outros equívocos da ideologia do comunismo linguístico
As hostes que pretendem destruir a gramática costumam argumentar que as regras desta são irreais, “inatingíveis”, pois ninguém consegue segui-las integralmente. Há que se perguntar se alguém é cem por cento justo, não cometendo em toda sua vida uma pequena injustiça contra seus parentes, amigos, colegas ou simples conhecidos; ou se alguém cumpre globalmente todas as leis do país, sem sequer atravessar uma rua fora da faixa de pedestres alguma vez. Se ninguém é cem por cento justo ou cumpridor impecável de todas as leis, deve-se, pois, abrir mão dos ideais de justiça e legalidade como orientadores da conduta pessoal? Assim também é a língua padrão. Mesmo que de quando em vez deslizes gramaticais sejam perpetrados – a indefectibilidade não é atributo humano – ainda assim o regramento permanece como ideal norteador da linguagem.
Vejamos outro equívoco do comunismo linguístico tupiniquim, nas palavras de um de seus mais conhecidos ideólogos:
O domínio da norma padrão certamente não é uma fórmula mágica que vai permitir ao falante de PNP ‘subir na vida’ automaticamente. Mas é uma forma de que esse falante de PNP tem de lutar em pé de igualdade, com as mesmas armas, ao lado dos cidadãos das classes privilegiadas, para ter acesso aos bens econômicos, políticos e culturais reservados às elites dominantes.[12]
A língua exemplar não é apenas meio de ascensão social ou de manutenção de poder por classes dominantes – reducionismo absurdo. É, acima de tudo, instrumento para uma melhor interpretação do mundo e produção e difusão de conhecimentos. A correlação direta da ascensão econônica é com a formação educacional como um todo, de que a aquisição da norma culta é, talvez, a fração mais visível e básica, porém, ainda assim, apenas uma parte. Somente escola pública de qualidade, que ensine teorias corretas, oferecerá o “pé de igualdade” mencionado pelo ideólogo. Na postura de reduzir a norma padrão apenas a um meio de luta contra “os cidadãos das classes privilegiadas”, vislumbra-se a mera transposição das velhas e esfarrapadas teorias marxistas, que laboram em desfavor da civilização e pretendem, talvez, o retorno à residência em cavernas. Os remédios cada vez mais eficazes, a imensa expansão da expectativa e da qualidade de vida da população em geral, os confortos e comodidades da tecnologia – tudo é subproduto do pensamento racional, de que a linguagem formal é apenas um dos inúmeros pilares. Não que o mundo engendrado pela ciência e o racionalismo capitalistas seja sem defeitos ou iniquidades, porém, é sem dúvida muito melhor do que a “igualdade” da época em que se morava em árvores, comiam-se alimentos crus e a vida humana durava em média vinte anos. E nem era uma igualdade autêntica – sempre havia aquele que se instalava no melhor galho – como não o é entre formigas, abelhas, leões, macacos...
A língua formal e culta nasce das necessidades do pensamento racional em desenvolvimento e progressão, e não como mero atavio ou insígnia de classe dominante (ou será que Machado de Assis, maior expoente da literatura clássica brasileira e, por consequência, da norma culta posta em prática textual, filho de um mulato pintor e de uma lavadeira, é o representante máximo daquilo que os sociolinguistas chamam de "classe dominante"?). Lá nas árvores, qualquer variedade linguística talvez tivesse o mesmo valor, mas isso não se dá no mundo tecnológico atual – assim como pilotar uma motocicleta, um automóvel ou um avião não é igual a andar a cavalo – pois há um abismo de sofisticação a separá-los.
Aquele novo mundo nada admirável de Huxley ou o Big Brother de Orwell são o sonho de consumo dos neomarxistas (comunistas e nazistas, na prática de governo, em tudo foram semelhantes), fazem os seus olhos cúpidos brilhar impacientes por este açambarcamento total dos bens da sociedade, que, na impossibilidade atual de ser atingido pela luta política direta, supõem obtê-lo mediante a doutrinação ideológica universitária mutiladora do entendimento geral. Se os sociolinguistas adeptos do comunismo linguístico detivessem alguma preocupação verdadeiramente social e deitassem de lado por instantes o seu egoísmo cínico ávido de poder, militariam em favor da melhoria da qualidade da educação no país, sempre claudicante, ao invés de laborarem para assolar o conhecimento existente. Na verdade, a maioria dos sociolinguistas são primeiramente vítimas e só posteriormente algozes, pois têm a virilidade intelectual de início castrada pelo marxismo e só depois partem para emascular as novas gerações de desavisados. Os cidadãos agradeceriam se lhes fosse oferecida boa formação escolar, e não ideologia esquerdista barata e aleivosa, que não agrega valor à sociedade, nem à consciência individual, nem ao país.
Há ainda os chamados sociolinguistas que não pretendem destruir, querem apenas substituir a gramática da língua portuguesa por uma suposta gramática da “língua brasileira”, revivendo, assim, aquele Policarpo Quaresma, cujo triste fim é bastante conhecido, ou encarnando o adolescente rebelde que se opõe aos pais por necessidade de afirmação. Reverbera aqui a crença – sem alicerce racional ou empírico – de que os males do Brasil advêm da herança ibérica. Ignora-se que só quando atinge a maturidade intelectual é que o homem pode fazer as pazes com suas origens.
4. Depauperando o entendimento
É a altura de mostrar e examinar um caso concreto em que a ideologia do comunismo linguístico liga-se diretamente à desinteligência acadêmica. Era um seminário em que graduandos de Letras Vernáculas, empregando como “fundamentação teórica” as obras doutrinárias de Marcos Bagno, analisaram o conto Nois Mudemo, de Fidêncio Bogo (s/d anexo).
No texto, que circulou em correntes de Internet, o protagonista fala “nois mudemo”, é corrigido pela professora e passa a sofrer intenso assédio moral por parte dos colegas, culminando com o seu abandono escolar. Sem escola, o garoto suporta toda sorte de calamidades a que estão sujeitos muitos analfabetos, reencontrando a professora 17 anos depois. Narra-lhe, então, as vicissitudes de sua amaríssima existência. A antiga docente chega a sentir-se culpada, mas ele a desculpa. Ela, ato contínuo, encontra com celeridade o verdadeiro culpado e passa a votar-lhe ódio: maldita gramática! Encerram o conto os chavões esquerdistas do costume, advogando a demolição gramatical.
No seminário, os alunos repetiram as frases feitas do conto, entremeando-as com outras tantas, muito semelhantes, extraídas das obras constantes do “embasamento teórico”. E concluíram – abaixo a opressão da norma culta! – colhendo os aplausos entusiásticos dos presentes. Naturalmente, obtiveram nota máxima das professoras-orientadoras.
Em momento algum os acadêmicos vislumbraram o problema mais geral do bullying, do assédio moral e da violência física, cada vez mais comuns nas escolas; nenhuma referência à absurda omissão da docente, incapaz de adotar alguma atitude educativa diante do evidente assédio; nenhuma análise crítica do conto – que arma ao patético para camuflar a sua claudicância argumentativa. Aliás, o conto Nois Mudemo é apressado na demonização da gramática, totalmente inconsistente em seu argumento e inconsequente em suas conclusões. Entulho ideológico, irreciclável.
Faça-se um rápido exercício de imaginação e suponha-se que a professora de Bogo houvesse perguntado a outro aluno qual o resultado da operação “dois mais dois” e ele respondesse “cinco”; os outros estudantes, maldosamente, começassem a chamá-lo “Dois Mais Dois São Cinco”, com tamanha insistência, que o garoto acabasse por abandonar a escola, seguindo o mesmo destino de Nois Mudemo. Neste caso, então, estaria justificado o ódio da professora à matemática? Abaixo a opressão da matemática!
Prossiga-se o exercício de imaginação. Agora há na sala de aula um estudante obeso, que os demais apodam de “Catorze Arrobas”. Aonde quer que o aluno vá, ouve: “Catorze Arrobas!”. Não suportando a perseguição, também sai da escola, amarga a mesma sucessão de eventos trágicos e segue destino idêntico ao de Nois Mudemo. E agora, de quem será a culpa? De suas células adiposas? Abaixo a opressão dos adipócitos!
Não é preciso ser um Einstein para perceber que não há nenhum vínculo necessário entre bullying e gramática – mas os acadêmicos de Letras, com o entendimento obscurecido e alquebrado pela ideologia a que estavam expostos e já não eram capazes de conjurar, não o perceberam. Qualquer fato ou característica pode ser o ponto desencadeador da violência física ou psicológica na escola, e cabe ao professor, por dever de ofício, agir educativamente ao tomar conhecimento dessas agressões. Ocorre que a classe docente, infelizmente, cada vez foge mais a suas responsabilidades, encontrando com rapidez desculpas externas, no mais das vezes meros bordões ideológicos, para justificar ou camuflar todas as suas omissões pessoais e profissionais. Segundo Vasconcellos[13], a maioria dos professores já não faz o planejamento do curso, ou não o executam, caso o façam. Questionados, defendem-se, via de regra, a alegar a existência de “autoritarismo de coordenadores e supervisores em relação aos planos”, ou a “falta de condições de trabalho, de apoio ao professor”, ou ainda “a burocracia, o formalismo, o grande número de alunos por sala”. Nenhum professor ouvido por Vasconcellos assume não saber elaborar um planejamento factível, ou não possuir ânimo para executá-lo, ou não ter comprometimento com a profissão, que não raro exerce por ausência de “outra coisa melhor para fazer”. Nesse contexto, é muito mais cômodo e fácil incriminar a gramática, a matemática ou as células adiposas, do que assumir a responsabilidade diante de situações problemáticas – caso da educadora do conto de Bogo e das futuras professoras licenciadas em Letras que se apresentaram no antedito seminário.
O conto bobo de Bogo serve apenas para patentear que o prosador subjugado a uma ideologia não escreve para compreender a realidade, mas tão-somente para reafirmar essa mesma ideologia, no que revela a sua alienação e pobreza intelectual.
5. Conclusão
Por tudo quanto exposto, resta evidente o primado da linguagem formal e culta, cuja relevância justifica o seu estudo sistemático e o respeito ao direito de todo cidadão a uma rede qualificada de ensino, amparada em métodos pedagógicos eficazes e professores bem-formados, que lhe garanta a aquisição deste patrimônio intelectual. Não se trata de menosprezo pelas demais variedades da fala (que seguirão existindo, até porque a aprendizagem da norma culta é um acréscimo da bagagem intelectual e não uma mutilação), mas de um modo de organização a partir de noções mínimas de valor, utilidade e estética. Também não significa a defesa de uma estabilidade ultraconservadora que a língua, de fato, jamais teve ou terá, senão que as mudanças do modelo linguístico formal ocorrem segundo as leis e o dinamismo do próprio sistema – e não a golpes ideológicos. No fundo, cada falante, em cada estádio de sua existência, é portador de uma variedade linguística singular, consubstanciada nas escolhas estilísticas que faz no ilimitado arsenal da sintaxe e lexia idiomáticas de que dispõe, mas sem perder de vista o padrão norteador.
* * *
* * *
P.S. Houve, como é natural, objeções feitas a este artigo. Respondo a elas aqui: http://andersonlopesescreve.blogspot.com.br/2010/12/onde-se-responde-objecoes-feitas-ao.html
REFERÊNCIAS
[1] Graduando do curso de Letras da UNEB – Universidade do Estado da Bahia, Campus IX.
[2] PENA, Sérgio Danilo, O Avesso do Avesso do Avesso do Avesso. Disponível em http://cienciahoje.uol.com.br/ colunas/deriva-genetica/o-avesso-do-avesso-do-avesso-do-avesso. Acessado em 14/5/2010.
[3] ANTUNES, Marco A. T. Charlatanismo na Linguística. Disponível em www.brazzilport.com/viewtopic.php?t=1338. Capturado em 28/5/2009.
[4] CASTRO, Cláudio de Moura, Os meninos-lobo. Revista Veja, edição 2120, pág. 24.
[5] HACKING, Ian, Por Que a Linguagem Interessa à Filosofia?; trad. Maria Elisa Marchini Sayeg; revisão de trad. Cezar Augusto Mortari. São Paulo: UNESP Ed., 1999, pág. 170.
[6] Pode-se argumentar que nem todos conhecem as convenções matemáticas, mas não se pode responsabilizá-las por esse desconhecimento.
[7] NEF, Frédéric, A Linguagem: Uma abordagem filosófica; trad. Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995, pág. 137.
[8] LOCKE, J. apud NEF, Frédéric, A Linguagem: Uma abordagem filosófica; trad. Lucy Magalhães; Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995, pág. 110.
[9] PENA, Sérgio Danilo, Humanidade Sem Raças?. São Paulo: Ed. Publifolha, 2008, pág. 04.
[10] ASSIS, J. M. Machado de, Missa do Galo. Disponível em http://www.biblio.com.br/defaultz.asp?link=http://www.biblio.com.br/conteudo/MachadodeAssis/missadogalo.htm.Acessado em 22/5/2010.
[11] HACKING, Ian, Por Que a Linguagem Interessa à Filosofia?; trad. Maria Elisa Marchini Sayeg; revisão de trad. Cezar Augusto Mortari. São Paulo: UNESP Ed., 1999, pág. 65.
[12] BAGNO, Marcos. A Língua de Eulália. 13. ed. São Paulo: Contexto, 2004. p. 30.
[13] VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Planejamento: Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico – elementos metodológicos para elaboração e realização. 7ª ed. São Paulo: Libertad, 2000, págs. 15–21.
Conto: "Nóis Mudemo"
O ônibus da Transbrasiliana deslizava manso pela Belém-Brasília rumo ao Porto Nacional.
Era
abril, mês das derradeiras chuvas. No céu, uma luazona enorme pra
namorado nenhum botar defeito. Sob o luar generoso, o cerrado verdejante
era um presépio, todo poesia e misticismo.
As aulas tinham começado numa segunda-feira. Escola de periferia, classes heterogêneas, retardatários. Entre eles, uma criança crescida, quase um rapaz.
- Por que você faltou esses dias todos?
- É que nóis mudemo onti, fessora. Nóis veio da fazenda.
Risadinhas da turma.
- Não se diz “nóis mudemo” menino! A gente deve dizer: nós mudamos, tá?
- Tá fessora!
No recreio as chacotas dos colegas: Oi, nóis mudemo! Até amanhã, nóis mudemo!
No dia seguinte, a mesma coisa: risadinhas, cochichos, gozações.
- Pai, não vô mais pra escola!
- Oxente! Módi quê?
Ouvida a história, o pai coçou a cabeça e disse:
- Meu fio, num deixa a escola por uma bobagem dessa! Não liga pras gozações da mininada!
Logo eles esquece.
Não esqueceram.
Na quarta-feira, dei pela falta do menino. Ele não apareceu no resto da semana, nem na segunda-feira seguinte. Aí me dei conta de que eu nem sabia o nome dele. Procurei no diário de classe e soube que se chamava Lúcio – Lúcio Rodrigues Barbosa. Achei o endereço.
Longe, um dos últimos casebres do bairro. Fui lá, uma tarde. O rapaz tinha partido no dia anterior para casa de um tio, no sul do Pará.
-É, professora, meu tio não aguentou as gozações da mininada. Eu tentei fazê ele continuá, mas não teve jeito. Ele tava chateado demais. Bosta de vida! Eu devia di tê ficado na fazenda coa famia. Na cidade nóis não tem veis. Nóis fala tudo errado.
Inexperiente, confusa, sem saber o que dizer. Engoli em seco e me despedi.
O episódio ocorrera há dezessete anos e tinha caído em total esquecimento, ao menos de minha parte.
Uma tarde, um povoado à beira da Belém-Brasília, eu ia pegar o ônibus, quando alguém me chamou.
Olhei e vi, acenando para mim, um rapaz pobremente vestido, magro, com aparência doentia.
-O que é, moço?
-A senhora não se lembra de mim, fessora?
Olhei para ele, dei tratos à bola. Reconstitui num momento meus longos anos de sacerdócio, digo de magistério. Tudo escuro.
-Não me lembro não, moço. Você me conhece? De onde? Foi meu aluno? Como se chama?
Para tantas perguntas, uma resposta lacônica:
-Eu sou “Nóis mudemo”, lembra?
Comecei a tremer.
-Sim, moço. Agora lembro. Como era mesmo o seu nome?
-Lúcio – Lúcio Rodrigues Barbosa.
- 0 que aconteceu? Ah! Fessora! É mais fácil dizê o que não aconteceu. Comi o pão que o diabo amasso. E êta diabo bom de padaria! Fui garimpeiro. Fui boia-fria, um “gato” me arrecadou e levou num caminhão pruma fazenda no meio da mata. Lá trabaiei como escravo, passei fome, fui baleado quando conseguir fugi. Peguei tudo quando é doença. Até na cadeia já fui pará. Nóis ignorante as veis fais coisa sem querê fazê. A escola fais uma farta danada. Eu não devia tê saído daquele jeito, fessora, mais não aguentei as gozação da turma. Eu vi logo que nunca ia consegui falá direito. Ainda hoje não sei.
-Meu Deus!
Aquela revelação me virou pelo avesso. Foi demais para mim. Descontrolada, comecei a soluçar convulsivamente. Como eu podia ter sido tão burra e má? E abracei o rapaz, o que restava do rapaz que me olhava atarantado.
O ônibus buzinou com insistência.
- O rapaz afastou-me se si suavemente.
- Chora não, fessora! A senhora não tem cura.
Como? Eu não tenho culpa? Deus do céu!
Entrei no ônibus apinhado. Cem olhos eram cem flechas vingadoras apontadas para mim. O ônibus partiu. Pensei na minha sala de aula. Eu era uma assassina a caminho da guilhotina.
Hoje tenho raiva da gramática. Eu mudo, tu mudas, ele muda, nós mudamos... Super usada, mal usada, abusada, ela é uma guilhotina dentro da escola. A gramática faz gato e sapato da língua materna, a língua que a criança aprendeu com seus pais e irmãos e colegas – e se torna o terror dos alunos. Em vez de estimular e fazer crescer, comunicando, ela reprime e oprime, cobrando centenas de regrinhas estúpidas para aquela idade.
E os lúcios da vida, os milhares lúcios da periferia e do interior, barrados nas salas de aula:
“Não é assim que se diz, menino!” Como se o professor quisesse dizer: “Você está errado! Os seus pais estão errados! Seus irmãos e amigos e vizinhos estão errados! A certa sou eu! Imite-me!
Copie-me! Fale como eu! Você não seja você! Renegue suas raízes! Diminua-se ! Desfigure-se! Fique no seu lugar!
Seja uma sombra!”
E siga desarmado para o matadouro da vida...
As aulas tinham começado numa segunda-feira. Escola de periferia, classes heterogêneas, retardatários. Entre eles, uma criança crescida, quase um rapaz.
- Por que você faltou esses dias todos?
- É que nóis mudemo onti, fessora. Nóis veio da fazenda.
Risadinhas da turma.
- Não se diz “nóis mudemo” menino! A gente deve dizer: nós mudamos, tá?
- Tá fessora!
No recreio as chacotas dos colegas: Oi, nóis mudemo! Até amanhã, nóis mudemo!
No dia seguinte, a mesma coisa: risadinhas, cochichos, gozações.
- Pai, não vô mais pra escola!
- Oxente! Módi quê?
Ouvida a história, o pai coçou a cabeça e disse:
- Meu fio, num deixa a escola por uma bobagem dessa! Não liga pras gozações da mininada!
Logo eles esquece.
Não esqueceram.
Na quarta-feira, dei pela falta do menino. Ele não apareceu no resto da semana, nem na segunda-feira seguinte. Aí me dei conta de que eu nem sabia o nome dele. Procurei no diário de classe e soube que se chamava Lúcio – Lúcio Rodrigues Barbosa. Achei o endereço.
Longe, um dos últimos casebres do bairro. Fui lá, uma tarde. O rapaz tinha partido no dia anterior para casa de um tio, no sul do Pará.
-É, professora, meu tio não aguentou as gozações da mininada. Eu tentei fazê ele continuá, mas não teve jeito. Ele tava chateado demais. Bosta de vida! Eu devia di tê ficado na fazenda coa famia. Na cidade nóis não tem veis. Nóis fala tudo errado.
Inexperiente, confusa, sem saber o que dizer. Engoli em seco e me despedi.
O episódio ocorrera há dezessete anos e tinha caído em total esquecimento, ao menos de minha parte.
Uma tarde, um povoado à beira da Belém-Brasília, eu ia pegar o ônibus, quando alguém me chamou.
Olhei e vi, acenando para mim, um rapaz pobremente vestido, magro, com aparência doentia.
-O que é, moço?
-A senhora não se lembra de mim, fessora?
Olhei para ele, dei tratos à bola. Reconstitui num momento meus longos anos de sacerdócio, digo de magistério. Tudo escuro.
-Não me lembro não, moço. Você me conhece? De onde? Foi meu aluno? Como se chama?
Para tantas perguntas, uma resposta lacônica:
-Eu sou “Nóis mudemo”, lembra?
Comecei a tremer.
-Sim, moço. Agora lembro. Como era mesmo o seu nome?
-Lúcio – Lúcio Rodrigues Barbosa.
- 0 que aconteceu? Ah! Fessora! É mais fácil dizê o que não aconteceu. Comi o pão que o diabo amasso. E êta diabo bom de padaria! Fui garimpeiro. Fui boia-fria, um “gato” me arrecadou e levou num caminhão pruma fazenda no meio da mata. Lá trabaiei como escravo, passei fome, fui baleado quando conseguir fugi. Peguei tudo quando é doença. Até na cadeia já fui pará. Nóis ignorante as veis fais coisa sem querê fazê. A escola fais uma farta danada. Eu não devia tê saído daquele jeito, fessora, mais não aguentei as gozação da turma. Eu vi logo que nunca ia consegui falá direito. Ainda hoje não sei.
-Meu Deus!
Aquela revelação me virou pelo avesso. Foi demais para mim. Descontrolada, comecei a soluçar convulsivamente. Como eu podia ter sido tão burra e má? E abracei o rapaz, o que restava do rapaz que me olhava atarantado.
O ônibus buzinou com insistência.
- O rapaz afastou-me se si suavemente.
- Chora não, fessora! A senhora não tem cura.
Como? Eu não tenho culpa? Deus do céu!
Entrei no ônibus apinhado. Cem olhos eram cem flechas vingadoras apontadas para mim. O ônibus partiu. Pensei na minha sala de aula. Eu era uma assassina a caminho da guilhotina.
Hoje tenho raiva da gramática. Eu mudo, tu mudas, ele muda, nós mudamos... Super usada, mal usada, abusada, ela é uma guilhotina dentro da escola. A gramática faz gato e sapato da língua materna, a língua que a criança aprendeu com seus pais e irmãos e colegas – e se torna o terror dos alunos. Em vez de estimular e fazer crescer, comunicando, ela reprime e oprime, cobrando centenas de regrinhas estúpidas para aquela idade.
E os lúcios da vida, os milhares lúcios da periferia e do interior, barrados nas salas de aula:
“Não é assim que se diz, menino!” Como se o professor quisesse dizer: “Você está errado! Os seus pais estão errados! Seus irmãos e amigos e vizinhos estão errados! A certa sou eu! Imite-me!
Copie-me! Fale como eu! Você não seja você! Renegue suas raízes! Diminua-se ! Desfigure-se! Fique no seu lugar!
Seja uma sombra!”
E siga desarmado para o matadouro da vida...
(Fidêncio Bogo)
Anderson, lendo o debate no Orkut (antes de eu sair da comunidade, pois não dá para aguentar aquele cientificismo infantil de quem está impressionado com a vida cadêmica), tenho de dizer no caso de sua afirmação de que a norma padrão é o ponto de encontro das variantes, fico com a contestação de Miguel. Se, como você diz, ao falarmos em variante estamos tratando de algo em confronto com a norma culta, não temos aí algo essencial, mas apenas a tomada de um referencial que podia ser outro. E mais: como todas as variantes poderiam ser variantes da norma culta se algumas delas são anteriores ao estabelecimento de tal norma? Eu concordo com a tese de que a norma padrão é superior, só que não por ela ser o referencial das variantes, mas por abarcar, imperfeitamente, a identidade nacional, a continuidade da consciência histórica, o diálogo entre a consciência individual e a tradição literária, a analogia macrocosmo-microcosmo entre cultura nacional e pessoal, etc.
ResponderExcluirThiago, só um esclarecimento: quando falo em normal culta, não aludo apenas à norma atual ou a algo imutável. A norma atual não é absolutamente igual à do tempo de Camões, por exemplo. Ela é diacronicamente o ponto de encontro das variantes. Formas arcaicas eventualmente resgatadas ou preservadas por alguma comunidade de falantes (e que já não se enquadrem na língua exemplar de hoje) não são anteriores à norma padrão, apenas pertencem a um estádio anterior dessa mesma norma.
ResponderExcluirConcordo que o referencial poderia ser outro, mas o fato é que não é. O referencial é a norma padrão tomada diacronicamente.
Se um falante diz "véio" e outro diz "véi", o referencial é "velho". Este é o ponto de encontro das daquelas formas.
ResponderExcluirMuito bom esse artigo. Gostei bastante da terminologia "comunismo linguístico". Ainda bem que ainda existe gente valente para defender o que é certo.
ResponderExcluirNo meu blog, já postei algumas coisas do tipo: http://www.marcoslinguista.blogspot.com/
Obrigado, Marcos.
ResponderExcluirBreve, publicarei aqui mesmo o resumo de uma série de respostas elaboradas no enfrentamento aos marxistas da linguagem.
Excelente artigo! Fiquei admirado em cada parágrafo. Depois de ler um texto de Marcos Bagno (recomendado pelo professor de Letras), fiquei intrigado a achar alguém que o redutase. Muito obrigado por deixar minhas ideias mais claras.
ResponderExcluirNão há de quê. Passei pelo mesmo desgosto que você na minha graduação e durante um tempo me senti órfão de boas referências, o que entretanto -- obrigando-me a trabalhar duro para encontrar alternativas, já que a própria biblioteca da universidade era profundamente ideológica e só contava com autores filiados ao esquerdismo -- serviu para desenvolver meu espírito investigativo.
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