domingo, 27 de fevereiro de 2011

Nervos de Aço – Lupicínio Rodrigues, com ligeira análise semântica

Por Anderson Cássio de Oliveira Lopes




Você sabe o que é ter um amor, meu senhor
Ter loucura por uma mulher
E depois encontrar esse amor, meu senhor
Ao lado de um tipo qualquer

Você sabe o que é ter um amor, meu senhor
E por ele quase morrer
E depois encontrá-lo em um braço
Que nem um pedaço do seu pode ser

Há pessoas de nervos de aço
Sem sangue nas veias e sem coração
Mas não sei se passando o que eu passo
Talvez não lhes venha qualquer reação

Eu não sei se o que trago no peito
É ciúme, é despeito, amizade ou horror
Eu só sei é que quando a vejo
Me dá um desejo de morte ou de dor

A música insere-se no contexto geral das “dores de cotovelo”, que tanto êxito alcançam quando interpretadas nos diversos palcos. Em que pese aos múltiplos sentidos que podem ser vislumbrados aqui, vê-se que um homem, queixoso, interpela outro e começa a narrar-lhe os seus infortúnios de amor, fazendo-o notar quão imensa é a desventura de um homem que ama loucamente uma mulher e em seguida é obrigado a vê-la nos braços de um tipo qualquer. Numa metáfora original e hiperbólica, mencionando os nervos de aço, o desditoso amplia a dimensão do seu sofrimento, pois concebe que mesmo uma pessoa de índole férrea e coração duro e assentimental, estando eventualmente sob idêntica situação, provavelmente teria alguma reação passional. Ao final, o queixoso mostra-se desnorteado e contraditório – fato também comum aos padecentes amorosos ­– e reconhece desconhecer a natureza exata dos antitéticos sentimentos que alberga no coração (ciúme, amizade, horror), encerrando a queixa com o desvario tipicamente romântico, que deseja a dor e a morte.
É ainda de notar que o interpelado parece não ser da intimidade do queixoso, pois este o trata por “meu senhor” ao invés de “meu amigo” ou algo mais familiar. Também não se especifica o tipo de relação que o queixoso travara com a mulher amada, se eles de fato relacionaram-se, e que gênero de relacionamento foi esse, ou é um amor platônico, ideado – inespecificidade que não é sem propósito, pois o sucesso de uma música também costuma ser influenciado pelo maior ou menor número de ouvintes que se identificam com a história cantada, no que certo vago e indeterminado, alargando a margem aos possíveis entendimentos e identificações, constituem relevante recurso.
Por fim, destacamos a força e a beleza da metáfora que nomeia a música, acarretadas pela grande carga semântica condensada em poucas palavras, que fazem exorbitar o sentido de frieza e indiferença originalmente atribuído na canção e, assim, a expressão “nervos de aço” passa a designar também os indivíduos resolutos e heroicos que enfrentam e vencem, imperturbáveis, os maiores embaraços que se lhes interpõem as vicissitudes da existência – e não era outra a pretensão do então deputado Roberto Jefferson, ao aludir a esta música, no âmbito dos debates e inculpações ocorridos na Câmara nos píncaros efervescentes do escândalo do Mensalão.


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