domingo, 7 de maio de 2017

A LÍNGUA PORTUGUESA DISCUTIDA NOS JORNAIS

Por Anderson Cássio de Oliveira Lopes
(Publicado originalmente em 16/04/2012)


O amigo Arthur Lacerda remeteu-me pelo correio eletrônico o seguinte artigo, da autoria de Roberto Macedo, publicado na versão digital do jornal Estadão. Ei-lo:

'Bullying' é bulir com a língua portuguesa

02 de junho de 2011 | 3h 20
Roberto Macedo
Na língua inglesa, bullying é o comportamento pelo qual uma pessoa amedronta outra, ou lhe causa dor, ferimento, constrangimento, ou outros sofrimentos, até no plano emocional.
Há tempos noto o crescente uso do termo no Brasil, em particular para descrever ocorrências nas escolas. Ele ganhou maior notoriedade depois que no Rio de Janeiro, no dia 7 de abril, houve o assassinato de 12 crianças na Escola Municipal Tasso da Silveira. O criminoso, Wellington Menezes de Oliveira, teria sofrido o bullying quando aluno da mesma escola. Pela internet soube que, manco, era chamado de suingue pelos colegas.
Da minha janela vejo periquitos a bicar e ameaçar seus colegas e outras aves. Trata-se de comportamento típico de animais, herdado por seres humanos. E, nessa condição, também sob versões além da física, como agressões verbais, apelidos constrangedores, intrigas e fofocas. Já existe também o cyberbullying, via internet, celulares e outras tecnologias digitais.
Portanto, o bullying não é novidade histórica e alcança todo o espaço onde está o ser humano. Assim, seria surpreendente se a língua portuguesa não tivesse palavras próprias para descrevê-lo. E as tem. Surpreendentemente mesmo é o desconhecimento delas, conforme revelado pelo amplo uso de bullying. Pelo que vi na internet, outras pessoas também perceberam esse desconhecimento.
Pensando no referido comportamento, recordei-me de palavras que, quando criança, ouvia para descrevê-lo. Por exemplo, em casa, na escola e na rua alguém dizia "fulano buliu comigo". Aí está o bullying, e nessa e noutras formas em dicionários da nossa língua.
O meu (Houaiss) apresenta como significados de bulir: mexer com, tocar, causar incômodo ou apoquentar, produzir apreensão em, fazer caçoada, zombar e falar sobre, entre outros. E não consta como regionalismo. Neste caso, no Nordeste tem também o significado de tirar a virgindade. Acrescente-se que nas duas línguas as palavras começam da mesma forma, mas ignoro se têm etimologia comum.
O mesmo dicionário tem também bulimento, o ato ou efeito de bulir, e bulidor, aquele que o pratica. Ou seja, temos palavras para designar tanto o sujeito (bully), como o verbo (to bully) e o ato decorrente (bullying). Acrescente-se que no desnecessário uso deste último anglicismo se fica só na referência ao ato, dificultando ou desnecessariamente estendendo textos, o que é feito não apenas corriqueiramente pela imprensa, mas também por gente importante.
Por exemplo, o filósofo e educador Gabriel Chalita, hoje deputado federal, quando vereador da capital paulista apresentou projeto de lei que "dispõe sobre ... medidas de conscientização, prevenção e combate ao bullying... (nas)... escolas públicas do Município...". No trecho que trata dos objetivos, o projeto inclui o de "orientar os agressores, por meio da pesquisa dos fatores desencadeantes de seu comportamento". Por que não usar bulimento e bulidores? Quanto à conscientização destes, é indispensável, pois muitos não percebem o mal que praticam.
A propósito, em site do governo dos EUA (www.stopbullying.gov), voltado para combate ao bulimento, uma das orientações consiste em levar bulidores efetivos ou potenciais a fazer a si mesmos esta pergunta: "Se alguém lhe fizesse a mesma coisa, você se sentiria incomodado?" O termo bulidor também se revela conveniente ao dispensar referência prévia a bullying, ou mesmo a bulimento.
O mesmo anglicismo também está onipresente em cartilha sobre o assunto lançada pelo Conselho Nacional de Justiça, com o título Bullying: Cartilha 2010 - Justiça nas Escolas, escrita pela psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva. Aí bulidores são novamente chamados de agressores e, também, de opressores. Soube ainda que o ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal, escreveu um artigo intitulado Bullying - aspectos jurídicos.
Como se percebe desses exemplos e do noticiário em geral, há muita gente bulindo com o idioma português. Se este falasse certamente reclamaria do bulimento a que é submetido.
O deputado federal Aldo Rebelo, que pontificava como grande defensor da língua pátria - esse era o nome que tinha quando comecei a estudar -, esteve nos últimos meses muito ocupado como relator do Código Florestal, na Câmara. Gostaria de vê-lo de novo na ativa a defender o português no meio ambiente onde sofre a poluição de outras línguas.
E não só quanto ao assunto desse artigo, mas também para protestar contra algo mais grave, pois reconheço que bulir e seus derivativos não são muito conhecidos e, por isso mesmo, precisam ser difundidos. Trata-se da proliferação de anglicismos claramente desnecessários, como delivery, sale, off e muitos outros estrangeirismos.
Particularmente estranháveis são os nomes dados a edifícios nos anúncios de lançamentos de imóveis. Ainda no último fim de semana havia neste jornal nomes como Still, Grand Terrace e - inacreditável! - Tasty Panamby. Se traduzido das duas línguas de onde vem, o inglês e o tupi-guarani, este último significaria Borboleta Gostosa.
Já escrevi aqui sobre o mesmo assunto (Prédios com nomes de outro mundo, 6/5/2010) e, apesar do meu apelo, ninguém me explicou convincentemente os fundamentos desse fenômeno. Enquanto isso não vem, fico com as minhas versões. É gente que não dá valor à nossa língua. Ou talvez pense que morando em prédios assim denominados estaria a viver em outro país. Os nomes também podem ser cacoetes de arquitetos e marqueteiros, mas não inconsequentes no seu bulimento com a língua portuguesa.
Bilac, que a chamou de "última flor do Lácio", certamente lamentaria vê-la reproduzida com esses e muitos mais espinhos de outras espécies.
ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR ASSOCIADO À FAAP, É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR”.

Em resposta, enviei ao Arthur este comentário:

Agradeço-te uma vez mais a atenção manifestada com a remessa desse texto.
Seria maravilhoso se a defesa da nossa querida língua portuguesa fosse feita por pessoas mais capacitadas para tanto. Um economista, ainda quando seja arrebatado amante da "última flor do Lácio", não toma a análise profunda da língua como centro de suas preocupações, razão por que a defesa que elabora não é isenta de contradições e equívocos. Por mais que as faculdades de Letras hajam-se tornado “usinas de diplomar analfabetos funcionais”, como diz, não sem alguma razão, um ilustre professor de Goiás, sempre há, aqui e além, um ou outro acadêmico autenticamente preocupado com a disseminação das boas soluções linguísticas do nosso idioma, tendo, outrossim, conhecimento de causa para formular uma defesa competente. No Brasil, vem faltando aos bons gramáticos espaço na grande mídia. Se bem que bons gramáticos, como Napoleão Mendes de Almeida ou Luiz Antônio Sacconi, estão a desaparecer por completo...
Examinemos algumas das anteditas contradições e equívocos: no artigo que tu me mandaste, Roberto Macedo, economista em questão, insurge-se contra o emprego de estrangeirismos desnecessários, mas o faz escrevendo, ele mesmo, vê só, anglicismos tão exoneráveis quanto os que pretende combater! Exemplo: “A propósito, em site do governo dos EUA (www.stopbullying.gov), voltado para combate ao bulimento, uma das...”. A palavra “site” é um anglicismo perfeitamente dispensável, pois o português possui, dentre tantos, o termo “sítio”, ajustadíssimo a substituí-la. Qualquer usuário da língua portuguesa medianamente instruído compreende que um sítio na grande rede é o mesmo que um “site da internet”. Considero, entretanto, admissível a fórmula “sítio na Internet”. Os portugueses, de uma maneira geral, preferem sítio a site, rato a mouse, e assim harmonizam, na medida do possível, os termos correntes na seara da informática com as palavras próprias da língua portuguesa.
Outro anglicismo prescindível é a ausência de margem especial para iniciar os parágrafos, típica da tradição inglesa e agora da grande rede, esta influenciada por aquela. Nada justifica, porém, esta adesão do economista, que escreve com margens inglesas.
Note-se, por outro lado, que Macedo emprega palavras estrangeiras sem o destaque de rigor nestes casos, de preferência o itálico ou o negrito. Além disso, ele abusa do verbo “ter” em várias passagens, como na seguinte: “Assim, seria surpreendente se a língua portuguesa não tivesse palavras próprias para descrevê-lo. E as tem”. Isso fez lembrar-me da crítica que Mendes de Almeida fizera ao conhecido verso de Drummond “tem uma pedra no meio do caminho”. No bom português, é necessário cuidar para que o verbo “ter” não usurpe as funções dos verbos “haver”, “possuir”, “deter”, nem os faça desaparecer...
Vejamos outra passagem do texto: “O meu (Houaiss) apresenta como significados de bulir: mexer com, tocar, causar incômodo ou apoquentar, produzir apreensão em, fazer caçoada, zombar e falar sobre, entre outros”. Não há explicação para o nome Houaiss vir entre parênteses. Mais uma: “Por exemplo, em casa, na escola e na rua alguém dizia ‘fulano buliu comigo’”. Depois da forma “dizia”, a pontuação de rigor exigiria “:”.
Que tais comentários não te induzam a crer que eu não veja com olhos benevolentes toda manifestação em defesa da língua, pois de fato assim as vejo. Quero, isto sim, apenas deixar patente que esta defesa deve ser cometida com competência e cuidado, sem contradições nem equívocos.
Um abraço.

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