(Publicado originalmente em 16/04/2012)
O amigo Arthur Lacerda remeteu-me pelo correio eletrônico o seguinte artigo, da autoria de Roberto Macedo, publicado na versão digital do jornal Estadão. Ei-lo:
“'Bullying' é bulir com a língua portuguesa
02 de junho de 2011 | 3h 20
Roberto Macedo
Na
língua inglesa, bullying é o comportamento pelo qual uma pessoa
amedronta outra, ou lhe causa dor, ferimento, constrangimento, ou outros
sofrimentos, até no plano emocional.
Há
tempos noto o crescente uso do termo no Brasil, em particular para
descrever ocorrências nas escolas. Ele ganhou maior notoriedade depois
que no Rio de Janeiro, no dia 7 de abril, houve o assassinato de 12
crianças na Escola Municipal Tasso da Silveira. O criminoso, Wellington
Menezes de Oliveira, teria sofrido o bullying quando aluno da mesma
escola. Pela internet soube que, manco, era chamado de suingue pelos
colegas.
Da
minha janela vejo periquitos a bicar e ameaçar seus colegas e outras
aves. Trata-se de comportamento típico de animais, herdado por seres
humanos. E, nessa condição, também sob versões além da física, como
agressões verbais, apelidos constrangedores, intrigas e fofocas. Já
existe também o cyberbullying, via internet, celulares e outras
tecnologias digitais.
Portanto,
o bullying não é novidade histórica e alcança todo o espaço onde está o
ser humano. Assim, seria surpreendente se a língua portuguesa não
tivesse palavras próprias para descrevê-lo. E as tem. Surpreendentemente
mesmo é o desconhecimento delas, conforme revelado pelo amplo uso de
bullying. Pelo que vi na internet, outras pessoas também perceberam esse
desconhecimento.
Pensando
no referido comportamento, recordei-me de palavras que, quando criança,
ouvia para descrevê-lo. Por exemplo, em casa, na escola e na rua alguém
dizia "fulano buliu comigo". Aí está o bullying, e nessa e noutras
formas em dicionários da nossa língua.
O
meu (Houaiss) apresenta como significados de bulir: mexer com, tocar,
causar incômodo ou apoquentar, produzir apreensão em, fazer caçoada,
zombar e falar sobre, entre outros. E não consta como regionalismo.
Neste caso, no Nordeste tem também o significado de tirar a virgindade.
Acrescente-se que nas duas línguas as palavras começam da mesma forma,
mas ignoro se têm etimologia comum.
O
mesmo dicionário tem também bulimento, o ato ou efeito de bulir, e
bulidor, aquele que o pratica. Ou seja, temos palavras para designar
tanto o sujeito (bully), como o verbo (to bully) e o ato decorrente
(bullying). Acrescente-se que no desnecessário uso deste último
anglicismo se fica só na referência ao ato, dificultando ou
desnecessariamente estendendo textos, o que é feito não apenas
corriqueiramente pela imprensa, mas também por gente importante.
Por
exemplo, o filósofo e educador Gabriel Chalita, hoje deputado federal,
quando vereador da capital paulista apresentou projeto de lei que
"dispõe sobre ... medidas de conscientização, prevenção e combate ao
bullying... (nas)... escolas públicas do Município...". No trecho que
trata dos objetivos, o projeto inclui o de "orientar os agressores, por
meio da pesquisa dos fatores desencadeantes de seu comportamento". Por
que não usar bulimento e bulidores? Quanto à conscientização destes, é
indispensável, pois muitos não percebem o mal que praticam.
A propósito, em site do governo dos EUA (www.stopbullying.gov),
voltado para combate ao bulimento, uma das orientações consiste em
levar bulidores efetivos ou potenciais a fazer a si mesmos esta
pergunta: "Se alguém lhe fizesse a mesma coisa, você se sentiria
incomodado?" O termo bulidor também se revela conveniente ao dispensar
referência prévia a bullying, ou mesmo a bulimento.
O
mesmo anglicismo também está onipresente em cartilha sobre o assunto
lançada pelo Conselho Nacional de Justiça, com o título Bullying:
Cartilha 2010 - Justiça nas Escolas, escrita pela psiquiatra Ana Beatriz
Barbosa Silva. Aí bulidores são novamente chamados de agressores e,
também, de opressores. Soube ainda que o ministro Marco Aurélio de
Mello, do Supremo Tribunal Federal, escreveu um artigo intitulado
Bullying - aspectos jurídicos.
Como
se percebe desses exemplos e do noticiário em geral, há muita gente
bulindo com o idioma português. Se este falasse certamente reclamaria do
bulimento a que é submetido.
O
deputado federal Aldo Rebelo, que pontificava como grande defensor da
língua pátria - esse era o nome que tinha quando comecei a estudar -,
esteve nos últimos meses muito ocupado como relator do Código Florestal,
na Câmara. Gostaria de vê-lo de novo na ativa a defender o português no
meio ambiente onde sofre a poluição de outras línguas.
E
não só quanto ao assunto desse artigo, mas também para protestar contra
algo mais grave, pois reconheço que bulir e seus derivativos não são
muito conhecidos e, por isso mesmo, precisam ser difundidos. Trata-se da
proliferação de anglicismos claramente desnecessários, como delivery,
sale, off e muitos outros estrangeirismos.
Particularmente
estranháveis são os nomes dados a edifícios nos anúncios de lançamentos
de imóveis. Ainda no último fim de semana havia neste jornal nomes como
Still, Grand Terrace e - inacreditável! - Tasty Panamby. Se traduzido
das duas línguas de onde vem, o inglês e o tupi-guarani, este último
significaria Borboleta Gostosa.
Já
escrevi aqui sobre o mesmo assunto (Prédios com nomes de outro mundo,
6/5/2010) e, apesar do meu apelo, ninguém me explicou convincentemente
os fundamentos desse fenômeno. Enquanto isso não vem, fico com as minhas
versões. É gente que não dá valor à nossa língua. Ou talvez pense que
morando em prédios assim denominados estaria a viver em outro país. Os
nomes também podem ser cacoetes de arquitetos e marqueteiros, mas não
inconsequentes no seu bulimento com a língua portuguesa.
Bilac,
que a chamou de "última flor do Lácio", certamente lamentaria vê-la
reproduzida com esses e muitos mais espinhos de outras espécies.
ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR ASSOCIADO À FAAP, É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR”.
Em resposta, enviei ao Arthur este comentário:
Agradeço-te uma vez mais a atenção manifestada com a remessa desse texto.
Seria
maravilhoso se a defesa da nossa querida língua portuguesa fosse feita
por pessoas mais capacitadas para tanto. Um economista, ainda quando
seja arrebatado amante da "última flor do Lácio", não toma a análise
profunda da língua como centro de suas preocupações, razão por que a
defesa que elabora não é isenta de contradições e equívocos. Por mais
que as faculdades de Letras hajam-se tornado “usinas de diplomar
analfabetos funcionais”, como diz, não sem alguma razão, um ilustre
professor de Goiás, sempre há, aqui e além, um ou outro acadêmico
autenticamente preocupado com a disseminação das boas soluções
linguísticas do nosso idioma, tendo, outrossim, conhecimento de causa
para formular uma defesa competente. No Brasil, vem faltando aos bons
gramáticos espaço na grande mídia. Se bem que bons gramáticos, como
Napoleão Mendes de Almeida ou Luiz Antônio Sacconi, estão a desaparecer
por completo...
Examinemos
algumas das anteditas contradições e equívocos: no artigo que tu me
mandaste, Roberto Macedo, economista em questão, insurge-se contra o
emprego de estrangeirismos desnecessários, mas o faz escrevendo, ele
mesmo, vê só, anglicismos tão exoneráveis quanto os que pretende
combater! Exemplo: “A propósito, em site do governo dos EUA (www.stopbullying.gov), voltado para combate ao bulimento, uma das...”. A palavra “site”
é um anglicismo perfeitamente dispensável, pois o português possui,
dentre tantos, o termo “sítio”, ajustadíssimo a substituí-la. Qualquer
usuário da língua portuguesa medianamente instruído compreende que um
sítio na grande rede é o mesmo que um “site da internet”. Considero,
entretanto, admissível a fórmula “sítio na Internet”. Os portugueses, de uma maneira geral, preferem sítio a site, rato a mouse,
e assim harmonizam, na medida do possível, os termos correntes na seara
da informática com as palavras próprias da língua portuguesa.
Outro
anglicismo prescindível é a ausência de margem especial para iniciar os
parágrafos, típica da tradição inglesa e agora da grande rede, esta
influenciada por aquela. Nada justifica, porém, esta adesão do
economista, que escreve com margens inglesas.
Note-se,
por outro lado, que Macedo emprega palavras estrangeiras sem o destaque
de rigor nestes casos, de preferência o itálico ou o negrito. Além
disso, ele abusa do verbo “ter” em várias passagens, como na seguinte: “Assim, seria surpreendente se a língua portuguesa não tivesse palavras próprias para descrevê-lo. E as tem”.
Isso fez lembrar-me da crítica que Mendes de Almeida fizera ao
conhecido verso de Drummond “tem uma pedra no meio do caminho”. No bom
português, é necessário cuidar para que o verbo “ter” não usurpe as
funções dos verbos “haver”, “possuir”, “deter”, nem os faça
desaparecer...
Vejamos outra passagem do texto: “O
meu (Houaiss) apresenta como significados de bulir: mexer com, tocar,
causar incômodo ou apoquentar, produzir apreensão em, fazer caçoada,
zombar e falar sobre, entre outros”. Não há explicação para o nome Houaiss vir entre parênteses. Mais uma: “Por exemplo, em casa, na escola e na rua alguém dizia ‘fulano buliu comigo’”. Depois da forma “dizia”, a pontuação de rigor exigiria “:”.
Que
tais comentários não te induzam a crer que eu não veja com olhos
benevolentes toda manifestação em defesa da língua, pois de fato assim
as vejo. Quero, isto sim, apenas deixar patente que esta defesa deve ser
cometida com competência e cuidado, sem contradições nem equívocos.
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