Por Anderson Cássio de Oliveira Lopes
(Publicado originalmente em 25/02/2013)
Na
obra Vidas Secas, a linguagem direta
das personagens é caracterizada pela simplicidade – por vezes mesmo
insuficiência – da expressão verbal. Com efeito, como os protagonistas da
história são pessoas não alfabetizadas, e pretendendo dar-lhe maior realismo e
verossimilhança, o autor pontua a narrativa com poucos diálogos, curtos, não
raro apenas monossilábicos, salpicados de muxoxos e outras emissões sonoras não
exatamente verbais, embora inteligíveis e capazes de estabelecer a comunicação
– por vezes precária, sem dúvida, mas sempre é comunicação – entre os membros
da família, e, eventualmente, entre estes e pessoas de fora do núcleo familiar,
como o saldado amarelo, o fiscal de tributo e o proprietário da fazenda. Sinhá
Vitória, repreendendo um dos filhos, diz: “Capeta excomungado!”; Fabiano,
andando pelo alpendre, sozinho, diz: “Ecô! Ecô!”; os meninos, pressentindo a
inevitabilidade do sacrifício da cadela Baleia, dizem: “vão bulir com a
Baleia?”. Desta forma, observa-se que nos diálogos não há frases longas nem
períodos compostos de orações subordinadas ou outras complexidades sintáticas,
que, de resto, seriam incompatíveis com a ausência de formação acadêmica dos
retirantes. Isso no discurso direto, pois, quanto ao indireto livre,
predominante na narrativa, é por meio dele que vem à tona toda a angústia
contraditória do monólogo interior de Fabiano, assim como as demais
vocalizações necessárias à construção da obra. Neste caso, todavia, não se
expressa, exatamente, a voz das personagens, mas a leitura destas feita pelo
narrador, que diz o que elas diriam se pudessem ou soubessem fazê-lo.
Já
a paisagem humana construída por meio da voz e das ações das personagens é,
como não poderia deixar de ser, pautada pelas complexidades e contradições
inerentes a qualquer sociedade humana, ainda que reduzida a poucos indivíduos
isolados e macerados pela miséria e agrestia do ambiente em que vivem, como é o
caso das personagens retratadas no romance comentado. Tome-se, por exemplo, o
tocante capítulo da morte da cadela Baleia. Ela era estimada como se fosse
pessoa da família (e o autor intensifica essa impressão conferindo-se nome
próprio, coisa que deixou de fazer em relação aos filhos de Fabiano,
mencionados apenas como filho Menor e filho Maior), mas foi assassinada pelo
mesmo Fabiano. Claro que a cachorrinha estava doente e sofrendo, porém não
costumamos sacrificar nossos parentes só porque adoecem ou sofrem. Por outro
lado, o próprio Fabiano, alguns capítulos antes, dera evidente demonstração de
nobreza de sentimentos (ou torpe pusilanimidade, a depender do ponto de vista),
quando, tendo ao alcance de sua arma branca e sem possibilidade de defesa, o
soldado amarelo que anteriormente lhe agredira e insultara de modo injusto,
podendo, portanto, tirar desforra da violência sofrida, Fabiano, sofreando um
impulso inicial, não apenas permite que o soldado amarelo vá embora incólume,
como ainda lhe indica o melhor caminho a seguir.
Graciliano
Ramos, na condição de intelectual socialista engajado, debruça-se sobre os graves
problemas e contradições sociais do país – e do Nordeste em especial –, procurando
ilustrar e denunciar, mediante o discurso e a ação das personagens, os
conflitos e “injustiças” a seu ver presentes
na sociedade. Na voz do fazendeiro, ele inscreve o estereotipado discurso do
proprietário, identificado com o “capitalismo selvagem”, que “explora”
acintosamente o empregado, defraudando-o em seus já parcos rendimentos; na de
Fabiano, a fala da massa ignara, analfabeta, humilhada, sem acesso aos bens da
cidadania, de todo desprotegida do Estado, que (ao invés de promover a “justiça
social” e ser “benevolente”, como diz querer o discurso comunista) só se faz
presente para cobrar tributos, como no episódio em que Fabiano tenta
vender um leitão na vila. Na ação do fiscal de tributos, vê-se a sanha
arrecadatória do Estado, ávido de tributar e sovina quando o assunto é
beneficiar a coletividade.
No
conjunto, o romance é uma grande denúncia da situação calamitosa em que
sobrevivem, em estado de absoluta miséria, milhares de famílias habitantes na
região do semi-árido nordestino, passando fome, sede e toda sorte de privações,
abandonadas dos governos e maltratadas pela indiferença inclemente da natureza
agreste.
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